sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

PROFESSOR LIPPMANN



Otto de Alencar de Sá-Pereira

Não estou capacitado a escrever sobre a magnífica obra de psicólogo, de filósofo, de professor, etc, que representou a vida de Hanns Ludwig Lippmann. Trabalho já foi feito, por quem de direito, o também notável Professor Helmuth Kruger.
Entretanto, do ponto de vista humano, sempre ambicionei narrar alguns fatos pitorescos da vida desse grande homem grande (era bem alto), que ficarão no desconhecido, se alguém não se propuser a contar. Porque vale a pena!
Conheci o Professor Lippmann graças às nossas semelhantes convicções monárquicas. Sempre fui monarquista e ele também. Nos encontrávamos em acontecimentos da monarquia e da Família Imperial, desde os anos 60, quando ele tinha trinta e poucos anos e eu vinte e tantos. Se não estou enganado, fui apresentado ao grande Lippmann, por D. Pedro Henrique de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil (de 1921 a 1981). Quando Lippman casou-se, na década de 60, não pude comparecer, já não me lembro o porquê, mas a Família Imperial esteve presente e também o então Chefe da Casa Real da Baviera, o Duque Albrecht von Wittelsbach, que era seu íntimo, embora Lippman fosse prussiano, pois nascido em Berlim, em 1921. (Sabemos da velha rivalidade que sempre existiu entre a Prússia e a Baviera). Ele nascera judeu alemão, mas converteu-se ao catolicismo e quando veio para o Brasil, naturalizou-se brasileiro. A sua conversão ao catolicismo não se tratou de uma conversão de conveniência, mas sim uma atitude de espírito, que o fez um católico praticante e professor da filosofia e psicologia católicas: Foi atitude individual, em sua família, pois seus pais continuaram a freqüentar a sinagoga.
Voltando a seu casamento, como já disse, não pude comparecer, mas minha tia, irmã de meu pai, Solange Neiva de Sá Pereira, esteve presente, e como madrinha, por razões bem pitorescas. A noiva do Lippmann, moça do Ceará, era funcionária da Fundação da Casa Popular, onde tia Solange exercia uma das Diretorias. Como a futura Sra. Lippmann não tivesse parentes no Rio, Lippmann achou, como bom alemão, que deveria pedir a mão de sua futura esposa, à minha tia, chefe direta dela. E convidou-a também para ser sua madrinha. Tia Solange lembrava-se de que, no cortejo de carros, até à igreja, ela foi acompanhada do padrinho do Lippmann, que era nada mais, nada menos, que o Professor Plínio Corrêa de Oliveira, grande líder católico ultramontano. Esse fato nos diz bastante da orientação católico monárquica de Hanns Ludwig Lippmann. Quando ele apresentou-se no gabinete de tia Solange, afim de fazer o pedido formal de casamento, bateu os calcanhares, bem à moda prussiana, apresentou-se, como faria um oficial militar diante de uma autoridade, e só então fez o pedido. Tia Solange precisou de muito auto-controle para não rir. Durante anos ela contava esse episódio, às amigas e parentes, com muito humor (refiro-me à minha tia, em tempo passado, porque, embora ela ainda esteja viva, encontra-se com 97 anos e sofre do mal de Alzheimer, infelizmente).
Mas, foi graças ao Professor Lippmannn (e também a Dr. Décio Werneck), que fui convidado a vir lecionar na Universidade Católica de Petrópolis. Em seu convite, ele disse-me o seguinte: “Otto, você vai gostar de lá, o ambiente é bem católico e monárquico”. Como já antes mencionei, não tenho a intenção, nessas linhas, de avaliar o aspecto profissional e de verdadeiro sábio que Lippmann encarnava. Não sou filósofo nem psicólogo. Contudo tive a honra de gozar de sua amizade e intimidade. Lippmann, com todo o aspecto sério, raramente sorria, era entretanto possuidor de um humor extraordinário, mas, à moda dele. Às vezes contava-se algum fato engraçado, em sua presença, ele permanecia sério e em silêncio. Outras vezes, falava-se de assuntos sérios e ele, repentinamente, emitia uma fantástica gargalhada, lembrando-se de algo que ouvira na véspera. Sua gargalhada era “sui generis” pois era acompanhada de movimentos do corpo todo, principalmente do ventre, que era volumoso, e do nariz bem judaico, que ascendia e descendia acompanhando o pescoço. Professor Lippmann era uma figura! Como diriam nossos alunos! Sem deixar sua genialidade de lado, era uma grande figura! Ele usava seus alunos como cobaias de experiências psicológicas. Certa vez, dando sua aula em algum curso, no edifício da Barão do Amazonas, fez seus alunos adormecerem (esse era seu único defeito didático: sua voz tinha sotaque alemão e era monótona. Era preciso um grande esforço para se acompanhar seu discurso). Quando ele constatou que a maioria dormia, repentinamente, deu um murro forte na mesa, acordando a todos. E, como se nada tivesse acontecido, continuou sua aula, no mesmo tom monocórdio. Em outra ocasião, também na BA, aconteceu o mesmo: os alunos dormiam a sono solto. Ele deu o murro despertador, e disse: !nessa sala, na qual estou fazendo vocês dormirem, eu também já dormi muito, pois, no tempo em que esse prédio era hotel, esse era meu quarto favorito”. Era uma figura! Mas, os fatos mais cômicos, que eu saiba, ocorreram no prédio do Sion, no nosso BC da rua Benjamin Constant. No início de um período letivo, ele foi dar a primeira aula, em uma turma numerosa. Sentou-se à mesa, e sem conversa, iniciou a chamada. No meio da chamada, uma doce vozinha feminina a interrompe, com a pergunta inoportuna: “Professor...como é o nome do senhor?” A chamada interrompida, ele levanta-se, põe-se à frente dos alunos, em posição de sentido, e em altos brados, pronuncia, com o terrível sotaque alemão: “Hanns Ludwig Lippmannn, brasileiro, católico, professor de Psicologia, casado, carteira de identidade nº tal, CPF......etc... O que fez a turma estremecer de humor apavorante. Quando acabou, permaneceu em silêncio alguns minutos e depois explodiu com a formidável gargalhada, a qual rapidamente transformava-se na mais séria das fisionomias. Era uma figura!
Um dia, notei, que em sua mão esquerda ele portava um enorme anelão de ouro com um rubi encimando-o. Perguntei o porquê daquele anel, uma vez, que ele não era advogado. Com a mais séria das fisionomias, respondeu-me que aquele anel pertencera à Lucrécia Bórgia e tinha um depósito para veneno! Tive que permanecer sério, fingindo que acreditava. Provavelmente, quando afastou-se de mim, deve ter emitido uma de suas gargalhadas sardônicas. Era uma figura!
Novo episódio com calouros: entra na sala de aula, faz a chamada e vai para o quadro negro. Enche o quadro de incontável número de livros, com seus autores, e editoras. Quando acaba de escrever, comanda: “Copiem”! Em seguida, apaga o quadro e novamente número incontável de livros, autores, editoras. – “Copiem”!!! A turma apavorada, copiava nervosamente. Quando terminaram de copiar o segundo quadro, ele com a fisionomia mais séria do mundo, declarou: “Esses livros que os senhores acabaram de copiar são os que não devem comprar!!! Era uma grande figura! Apagou o quadro, escreveu os nomes de dois livros, e disse: “Esses são os que os senhores devem comprarr” Nessa mesma turma, dava sua aula, excepcionalmente, em pé, e foi interrompido algumas vezes, por alunos e funcionários que batem na porta para recados bobos. Na quinta vez, ele fingiu-se irritado (nunca se irritava) e gritou: “Bata com a cabeça”!!! A porta abriu-se, e era o Reitor da Universidade, D. José Fernandes Veloso, Bispo Auxiliar de Petrópolis, (Recem falecido), que queria dizer-lhe qualquer coisa. D. Veloso, que o conhecia bem, fingiu não ter ouvido e ele, com toda a afabilidade, beijou o anel episcopal, como se também nada tivesse ocorrido. Era uma figura!
Naquela época, anos 70 e princípios dos 80, havia o mal hábito de alunos e professores fumarem em sala de aula. Lippmann fumava charuto e baforava sobre os alunos para observar suas reações. Ninguém reclamava, naturalmente. Mas, certa vez, uma aluna, muito da capeta, durante a aula do Lippmann, no momento que ele, na sua frente, acendeu o charuto, ela tirou de sua bolsa, o mais ordinário dos charutos do mercado, e como se nada houvesse, acendeu seu charuto e baforou sobre ele. Lippmann, continuou a aula, naquele clima de esgrima de baforadas. Era uma figura!
Entrou em sala, como se estivesse encerando o chão com uma enceradeira elétrica e com a boca fazendo o barulho da enceradeira. – “Não estranhem, isso é um reflexo condicionado, pois passei a manhã toda encerando a casa, a faxineira não compareceu. Era uma figura!
Em uma sala de aula, na primeira carteira sentava-se uma freirinha, muito piedosa e tímida. A mesa do professor, nessa sala, ficava bem afastada da primeira fileira de carteiras. Lippmann, para fazer um teste psicológico de comportamento, de repente, empurrou a mesa, do estrado ao chão, tombando, a um metro da pobrezinha da freira, com grande estrondo. A freira ficou tão nervosa, que colegas a levaram para fora da sala de aula, para tomar um copo d’água com açúcar.
Um dia, o grande mestre entrou em sala de aula visivelmente abatido e pálido. Sentou-se e explicou: “Não sou planta, mas passei a noite toda no vaso”!!! – Engano!!! Era sim uma planta, uma planta preciosa, uma “Edelweiss”, transplantada da Alemanha para o Brasil, e cá dando pés e mais pés de flores que foram seus frutos de uma inteligência prodigiosa e de uma cultura estupenda, mas tudo isso acompanhado da excelsa virtude da humildade e do dom de humor sadio!
Foi uma magnífica e santa figura! Que Deus o tenha na sua Glória!

2 comentários:

Juçara Dias Quintana disse...

Foi procurando uma notícia que me deparei com estes seus escritos e me deu uma saudade imensa dos meus tempos de Faculdade, da Universidade Católica de Petróplis, onde fui aluna do Prof. Lippmann. Lendo, pareceu reviver suas aulas. Chegando mesmo a rir, foi como se estivesse escutando seus gritos que nos deixavam de olhos arregalados. Obrigada por reviver um pouco destes anos maravilhosos que deixaram uma saudade imensa.

Tânia Marinho disse...

E eu, fui aluna de Otto de Alencar Sá Pereira... Saudades imensas desse grande mestre... Que falta o Senhor faz... descanse em paz, meu querido professor!