terça-feira, 19 de agosto de 2008

Alta e Baixa Idade Média, especialmente na França: Merovíngios, Carolíngios e Capetíngios. A Taumaturgia

Otto de Alencar Sá Pereira

A História divide a Idade Média, em dois períodos: a Alta Idade Média, do século V (queda do Império Romano do Ocidente) ao X; e a Baixa do século X ao século XV (queda do Império Romano do Oriente ou Bizantino e início da Idade Moderna, com o Renascimento).
O interessante, é que, na França, a Alta Idade Média corresponde à Dinastia dos Merovíngios. Na transição da Alta para a Baixa, encontramos os Carolíngios. E já na Baixa, temos a 3ª Dinastia dos Reis francos, ou franceses, ou de França, os Capetíngios. O mais interessante, ainda, é que os Carolíngios, descendiam, por lado feminino, dos Merovíngios, e os Capetíngios, também por lado feminino, dos Carolíngios.
O que nos leva a verificar que o mesmo sangue de Reis, reinou na França por 14 séculos, por cerca de 1400 anos. Considerando-se que a França, como Nação e Estado, tem menos de 1600 anos, o sangue dos Reis foi que verdadeiramente edificou a Pátria dos franceses. Como diz Jacques Bainville, na Introdução de sua Histoire de France: Tivemos Reis bons e maus, fortes e fracos, competentes e incompetentes, guerreiros e pacíficos. Sua realização: La France.
A Dinastia mais antiga, a dos Merovíngios, descendente de diversas tribos de reis bárbaros germânicos, estabeleceu-se nas terras da Gália (nome que Roma dava a essa sua província, depois França) com Clovis (século V) Rei dos Francos Sálicos, neto de Meroveu, (daí Merovíngios), que antes reinavam só no nordeste da França, mas, que depois, por seus descendentes, passaram a formar diversos reinos, em território gaulês, como a Austrásia, a Neustria, a Borgonha, a Aquitânia, o Orleans o Paris etc. Esses diversos reinos eram todos da família Merovíngia. Se dividiam, porque não havia ainda a Lei da Sucessão por primogenitura. Logo, quando um Rei morria, todos seus filhos herdavam, portanto o reino era dividido em vários pequenos reinos. Como tinham ainda hábitos bem bárbaros, ocorriam constantemente homicídios entre parentes, fratricídios, parricídios, e os outros muitos assassinatos, entre tios, primos e sobrinhos. Tudo isso para unificar o que estava esfacelado. De fato, entre os séculos V e VIII, a França, ora estava unificada em um só reino, ou dois, ora estava cortada em fatias diversas, em pequenos reinos. Fatos bem típicos da barbárie da alta Idade Média, onde, a cultura romana antiga, fora quase toda esquecida ou destruída (não totalmente, porque os mosteiros e conventos católicos preservaram muita coisa) e a Igreja não tinha ainda conseguido pregar a Palavra de Deus, pelo Evangelho, por toda à parte, e também o surgimento de heresias que dividiam os já cristãos e muitas vezes os Reis, que se combatiam também por motivos religiosos.
Finalmente, no reinado unificado do Merovíngio Childerico III, um seu ministro, aliás, mais do que isso, uma espécie de Primeiro Ministro, cargo de Prefeito de Palácio, Pepin o Breve (porque era baixo) ( em francês Pepin, le Bref) aproveitando uma circunstância política, que lhe era favorável, o Papa estava sendo ameaçado, da invasão de suas propriedades romanas, pelos Lombardos que já se encontravam no norte da Itália, que eram cristãos, porém da heresia ariana, propôs ao Santo Padre Zacharias uma questão: “Quem deve ser o Rei legítimo de França, aquele que simplesmente porta a coroa sobre sua cabeça, ou aquele que verdadeiramente governa?”
O Papa, para defender-se dos Lombardos, só podia contar com dois soberanos: ou o Imperador Bizantino de Constantinopla, ou o Rei dos francos! E isso porque os demais reinos da Europa, ou estavam contaminados da heresia ariana, como os próprios Lombardos ou ainda eram pagãos. O Imperador Bizantino seria o natural defensor da Igreja, mas, na época, a heresia iconoclasta, tinha tomado conta do Império Romano do Oriente. Heresia muito menos grave que a ariana, mas a Igreja a tinha condenado. Logo, esse atrito entre Roma e Constantinopla, impedia que a segunda ajudasse a primeira. Restava ao Papa pedir socorro ao Rei dos francos. Sabedor de que Childerico III não tinha autoridade, e fingindo desconhecer a carta de Pepin, para não ter que pronunciar uma sentença, escreveu, ao próprio Prefeito de Palácio, Pepin le Bref, diretamente, para não perder tempo, pedindo socorro contra a invasão lombarda. Pepin, interpretando esse pedido de socorro, só dirigido a ele e não ao Rei, como uma resposta sub-reptícia do Papa, à sua carta, depôs do trono seu primo Childerico III, colocou-o preso em um Mosteiro, coroou-se Rei dos Francos em Reims e partiu, com seus exércitos, para a Itália. Lá venceu os lombardos, e chegando triunfante a Roma, foi coroado, pela segunda vez, Rei dos Francos, pelo Sumo Pontífice, que já não era o Papa Zacharias, que havia morrido, e sim Estevão III. A esse, em gratidão, Pepin doou muitas terras, antes bizantinas, o Exarcado de Ravena, a Pentápole e outras terras em torno de Roma. Tornou o Papa não só o Soberano Espiritual da Cristandade, mas também soberano temporal de um Reino ao Centro da Itália, que chamou-se Patrimônio de S. Pedro, ou Estados Pontifícios, que duraram dez séculos. Isso tudo ocorreu no século VIII da nossa Era, dando início à Dinastia Carolíngia, pois Pepin era filho de Carlos Martel (Carolus, em latim, daí Carolíngios. Martel era uma espécie de arma em formato de martelo, martelus, em latim, marteau em francês) aquele que na batalha de Poitiers (também como Prefeito de Palácio) estancou, no Ocidente, a invasão islâmica, enquanto no Oriente, o Imperador Bizantino Leão III impedia a Tomada de Constantinopla pelos Islamitas. Estas duas vitórias cristãs, do século VIII, salvaram a Europa de se tornar muçulmana, pois o Império Islâmico, nessa época, atingira toda sua expansão e plenitude, indo do Oceano Índico ao Atlântico. Pepin, o primeiro Rei Carolíngio dos francos, foi o pai de Carlos Magno. Carlos Magno, com suas vitórias na Germânia, na Itália e na Península Ibérica reconstruiu a Idéia de Império, tanto que, chegando a Roma, foi coroado pelo Papa, como Imperador do Ocidente. Esses séculos VIII e IX, séculos dos Carolíngios, representam aquela fase intermediária entre a Alta e a Baixa Idade Média. Nesta fase os Carolíngios reinam na França, na Germânia (Alemanha e outros estados do Leste, hoje eslavos) e no norte da Itália. O século X já pode ser considerado o início da Baixa Idade Média, com o princípio do Feudalismo. Na França, os Carolíngios foram sendo substituídos por seus primos Capetíngios, aos poucos, chegou a haver momentos que o trono era ocupado ao mesmo tempo, por um Rei Carolíngio e outro Capetíngio. Finalmente em 987, Hugo I Capet, reina sozinho na França, mas em uma França já feudal, onde os descendentes dos governadores das províncias nomeados pelos Carolíngios, se tornam vitalícios e hereditários, como Duques, Marqueses, Condes, Barões ou simples Senhores. No tempo dos Carolíngios, os Duques eram Governadores de Grandes Províncias Militares (Duque vem de “Dux”, chefe militar, em latim). Os Condes governavam Províncias Internas, mais próximas da Capital, (pois Conde origina-se de “Comes”, que em latim é um comensal, do Rei). Já os Marqueses governavam as Províncias de fronteiras, de marco, que determina a fronteira (a palavra é de origem alemã, “Mark”, assim na Alemanha os Marqueses são Markgraf (Condes do marco, enquanto os Condes, são os “Landgraf” – Condes da Terra). Finalmente os Barões governam províncias menores , ou sub-províncias (a palavra Barão origina-se em Varão, homem livre “vir”, em latim, homem livre, que não é escravo ou servo; equivale ao “Freiherr”, alemão que significa também Barão ou Homem Livre). Finalmente o simples “Senhor”, ou “Herr”, em alemão: ou “Dominus”, em latim, “Dom”, ou “Lord” em Inglês, ou Señor em espanhol, Senhor em português, que vem também da palavra “Senior” “Latina”, filho mais velho, o contrário do “Junior”.
Consequentemente, estes Senhores, Barões, Condes, Marqueses e Duques, antes nomeados pelo Reis ou Imperadores Carolíngios, agora na Baixa Idade Média pela fraqueza dos primeiros Reis Capetíngios, na França e pela decadência dos últimos Carolíngios da Alemanha, formam as Senhorias, os Baronatos, os Condados, os Marquesados (ou Marcas) e os Ducados, todos vitalícios e hereditários, que possuem trono, armas (brazão), exército, súditos, etc...
Forma-se a pirâmide hierárquica feudal da Baixa Idade Média, onde no ápice está o Papa, logo abaixo dele o Imperador do Ocidente (mais tarde Imperador do Sacro-Império-Romano-Germânico), depois os Reis; abaixo de cada Rei, os seus Duques, Marqueses, Condes, Barões e Senhores, hierarquizados, pela lei da subsidiariedade, não por documento escrito, como se fossem Estatutos ou Constituições, mas sim pela palavra, pela honra, pela “Homage”, cerimônia político religiosa, na qual o Senhor aceitava ou reconhecia ao Súdito, por meio de um galho de árvore, representando sua terra, parte dela, o feudo, e o súdito colocava suas mãos entre as mãos do Senhor, proferindo o ato de fidelidade e recebendo do Senhor “l’acolage”, o beijo, em ambas as faces, como o Pai beija o filho. Entenda-se aqui, que o Senhor e o Súdito, estão presentes em todos os degraus da Pirâmide Feudal. Por exemplo, o Rei é Senhor do Duque e portanto o Duque é súdito (ou melhor dizendo, vassalo) do Rei. O Conde é vassalo ou súdito do Duque e o Duque é Senhor do Conde, e, assim por diante. (Aqui só se citando a Realeza e a Nobreza, pois abaixo delas vinham ainda os Cavaleiros, os Burgueses, os Comuns e os Camponeses. Isso aconteceu, nesses termos, de maneira igual, na França e na Alemanha). Em circunstâncias semelhantes, na Inglaterra e em todos os países do Ocidente europeu. Na França, como já foi dito, os Capetíngios substituíram os Carolíngios, no século X, mas na Alemanha os Carolíngios ainda reinaram por mais um século. Alguns Carolíngios se casaram com as famílias dos Senhores alemães; pois na Alemanha deu-se fenômeno semelhante ao da França, instituindo o Feudalismo Germânico, que chegou a ter mais de trezentos feudos. O Feudalismo Francês foi sendo durante toda a Baixa Idade Média, a pouco e pouco, vencido pela autoridade do Rei, que no princípio, no século X, assemelhava-se a qualquer outro Senhor Feudal. Houve Duques mais poderosos que os Reis. Mas as duas guerras dos cem anos, foram dando ao Rei, mais terras e portanto maior poder.
Isso tudo aconteceu nos reinados dos Capetíngios diretos, depois dos Capetíngios indiretos, chamados de Valois. Quando foi, finalmente, a Inglaterra derrotada, na 2ª guerra dos cem anos, os Reis de França já dominavam todos os Senhores Feudais da França com certa facilidade (quando salientou-se Stª Joana d’Arc). Na passagem da Idade Média Baixa, para a Idade Moderna (século XV e XVI) os últimos Valois e finalmente os Bourbon (ramo mais colateral dos Capetíngios) já estão aptos a instaurarem o Absolutismo, ou seja, autoridade suprema dos Reis, sobre todos seus súditos, sejam do clero, da nobreza e das diversas categorias do povo, como verdadeiros Taumaturgos. Os Reis sempre foram taumaturgos, pelo menos a partir do primeiro Carolíngio, “Pepin le Bref”. Os anteriores, os Merovíngios, recém convertidos ao Cristianismo, eram mais chefes militares, chefes guerreiros do que Reis Taumaturgos. Pepin, entendendo que a Doutrina Cristã, ensinava que todo o Poder se origina em Deus, e portanto, não só o Poder do Papa e dos Clérigos, mas também o do Rei, se fez coroar em Reims, como Rei de França, e depois, pelo próprio Papa Estevão III, como já vimos. A partir de Carlos Magno, também coroado em Roma, é que a Monarquia absorve do Cristianismo, a idéia da taumaturgia. Essa idéia esse caráter de origem divina, deu a Carlos Magno e a seus sucessores Carolíngios, Capetíngios Diretos, Valois e Boubons, um enorme poder. Todos, a eles se submetiam, como a um representante do Poder Temporal de Deus, daí, o dobrar o joelho, as reverências, o protocolo, os tratamentos, etc... Mas, evidentemente, esse poder temporal de origem divina, só ganhou grande força, quando foi alicerçado pelas armas, pelas terras (poder econômico) e pelas vitórias militares.
Carlos Magno tinha tudo isso, mas seus sucessores, nem sempre os tiveram. Houve grandes momentos de Poder, como, por exemplo, a implantação do Sacro-Império-Romano-Alemão pelos Príncipes da Saxônia, Otto I, Otto II e Otto III, mas houve também decadências originárias de divisões, por heranças, de guerras e traições. A França de S. Luis IX Capetíngio Direto (1226-1270) portanto século XIII, era o primeiro Reino da Europa, mas já seus bisnetos e depois os Valois, deixaram os ingleses conquistarem grande parte do Reino. A segunda Guerra dos Cem Anos, a mais conhecida com esse nome, fez da França uma só desgraça. Foi necessária a intervenção divina, com Stª Joana d’Arc, para a França coroar seu Rei Carlos VII (Valois) e restaurar sua unidade e dignidade.
Esse poder divino dos Reis atingiu com Luís XIV e Luís XV (Boubons) um exagero inconcebível. Um Duque qualquer preferia largar seu castelo e suas terras, para residir em Versalhes, em pequenos aposentos, mas perto do Rei, podendo trinchar sua carne, à mesa, ou vestir sua camisa, ao acordar. Porque o Rei era o sol de sua vida (Roi Soleil), quase um deus.
A Doutrina Católica nos ensina que todo o poder origina-se em Deus, pois só Deus é Poder, porém, no caso dos governantes temporais, sejam monárquicos ou republicanos, isto só se verifica: 1) se o governante reconhecer que seu poder vem de Deus, e através da Igreja, portanto do Papa, e do povo; 2) se houver respeito, amor e devoção do povo pelo soberano ou presidente, isto significa que Deus concede àquela pessoa o direito de governar e a Igreja o reconhece como tal. Do contrário, o Rei ou Presidente são ilegítimos. Já no Antigo Testamento Saul tinha sido ungido pelo Profeta Samuel. Anos depois, o rei estava preste a enfrentar um exército filisteu, e o Profeta não aparecia para abençoar o exército israelita. Seus generais insistiam para que o Rei começasse a guerra, mesmo sem a bênção do Profeta, e argumentavam que talvez Samuel fosse um falso Profeta. Saul respondeu: “Se Samuel for um falso Profeta, eu sou um falso Rei”. Hoje, podemos dizer, repetindo a frase de Saul dentro do contexto antes explicado 1) Se o Rei ou Presidente não reconhecer a Igreja como a representante na Terra do Poder de Deus e a ela submeter-se, esse Rei e esse Presidente, são falsos (ilegítimos) 2) Se o Rei ou Presidente não reconhecerem que seus poderes vêm de Deus, não só pela Igreja, mas também pelo amor, respeito e devoção de seus povos, também são falsos Reis e falsos Presidentes.
Os governantes governam, já diziam os medievais, “Pola Lei e Pola Grey” (Português antigo, que significa: Os Governantes só governam legitimamente, pela Lei de Deus e pela vontade do Povo.)

FIM

Um comentário:

Anônimo disse...

É impressionante a sua capacidade de concatenar idéias, fatos, história, estória, conhecimento e ser de agradável leitura.