quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

D.MANUEL PEDRO DA CUNHA CINTRA

D. MANUEL PEDRO DA CUNHA CINTRA

• Trabalho não-publicado - 01/10/2006 •

Otto de Alencar de Sá-Pereira

Eu tinha 16 (dezesseis) anos, e como todos os jovens de famílias conhecidas como ilustres, ou pelo dinheiro, ou pela tradição ou pela educação, passávamos nossos longos verões na aprazível Petrópolis, naquela época ainda muito mais que hoje. A Missa obrigatória dos domingos era a de 11 horas na Catedral. O povão petropolitano ainda chamava a Catedral de Matriz, ou porque ainda não se tinha habituado, ou não tinha sabido que Petrópolis agora era uma Diocese.
A aristocracia petropolitana claro sabia que o Santo Padre Pio XII pela bula Pastoralis qua urgemur, de 13 de abril de 1946, erigira a nossa Cidade Imperial à categoria de Diocese, que não só compreendia esse Município, mas também Teresópolis, Magé, Duque de Caxias, parte de Paraíba do Sul e parte de Três Rios. E, a 9 de janeiro de 1948, Sua Santidade escolhera Mons. Manoel Pedro da Cunha Cintra para seu primeiro Bispo Diocesano. Os cariocas estavam mais bem informados, pois a Missa das 11 horas era sempre, ou quase sempre, celebrada por Dom Manoel Pedro, que ficou mais conhecido por D. Cintra. Depois da Missa a cariocada jovem ia para as piscinas ou quadras de tênis, em mansões que suas famílias possuíam aqui em Petrópolis. Seguiam-se vastos almoços que duravam até às 15 ou 16 horas. Depois do almoço, voltavam todos para suas respectivas casas e combinavam encontrarem-se, mais tarde, no D’Ângelo, para talvez, um cineminha, depois da chuva. Essa, invariavelmente, começava entre 16h30min ou 17 horas e durava uma hora ou hora e meia.
Em um desses domingos de 1948 — talvez me equivoque do dia da semana, mas deve ter sido domingo, às 11 horas —, assistimos a uma das mais belas cerimônias litúrgicas de nossas vidas. De repente, o órgão e um belíssimo coral entoaram cânticos grandiosos, de Handel ou Bach; todos se puseram de pé e a Catedral estava repleta e vimos entrar enorme cortejo iniciado por um belíssimo crucifixo de prata levado por um seminarista e seguido por grande número de seminaristas, padres e monsenhores, todos com vestes romanas, com a imponência da Igreja pré-conciliar (imponência essa que, graças a Deus, vem retornando, aos poucos) e seguidos por uma figura deslumbrante, de verdadeira grandeza episcopal. Passo lento, manto roxo, com calda, mitra, báculo na mão esquerda, Sua Excelência Reverendíssima entrava em sua Catedral para a cerimônia de entronização, olhar dirigido para o alto, para Deus, rosto impávido, misto de santo e príncipe, figura altamente aristocrática!
Na medida que passava, as pessoas se ajoelhavam e recebiam a bênção pastoral de sua mão direita, enluvada e com magnífico anel de ouro com o rubi da dignidade episcopal. Seguiam-se, naturalmente, Missa Solene, a entronização propriamente dita, uma belíssima homilia, pronunciada do púlpito gótico, que infelizmente não é mais utilizado. Mas os fieis que lotavam a Catedral, nesse dia, eram talvez, compostos mais por cariocas do que por petropolitanos. Pelos menos, assim nos pareceu, pois conhecíamos muita gente ali presente, todos do Rio. Haveria petropolitanos? Certamente que sim, mas nós não os conhecíamos. Quem seriam eles? Pais e avós, talvez, de futuros alunos meus, pois naqueles longínquos 1948, eu não poderia nem cogitar que, vinte e dois anos mais tarde, lecionaria na Universidade Católica de Petrópolis. Naquele momento eu nem imaginava que um dia viria a ser professor e professor de uma Universidade, ainda não criada, e que seria criada por aquela pessoa, de quem eu recebera a bênção genuflexo, e que essa bênção me levaria a trabalhar nessa UCP, com amor, silêncio e dedicação, por 36 anos de minha vida, pelo menos até agora, 2006.
O Prefeito Castrioto, Dr. Guilherme Guinle, e muitos outros mecenas, viriam ajudar a criá-la, em 1953, mas a alma da Universidade era, sem a menor dúvida, D. Cintra. Sem ele nada teria sido feito. A Universidade, o Seminário Diocesano e muitas outras de suas realizações tinham como meta conquistar as ovelhas de sua diocese e não a nós cariocas, que já o conhecíamos, pois ele pertencia à aristocracia paulista. Conquistar e evangelizar; evangelizar e santificar. Esse era o principal cuidado do nosso Bispo, que tinha sido sagrado, a 28 de março de 1948 na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo para onde ilustres petropolitanos se tinham deslocado, para assistirem à cerimônia. Logo depois de sagrado, D. Manuel Pedro transferiu-se para Petrópolis, aqui chegando a 05 de abril, sendo recebido no Quitandinha por grande comitiva: o Prefeito Flávio Castrioto, o Presidente da Câmara Municipal e pelos Monsenhores Francisco Gentil Costa e Barros Uchôa, de Niterói, etc... Às 15 horas encontraram-se, os que estavam em Petrópolis, com os que acompanhavam Sua Excelência Reverendíssima e dali seguiram para a Câmara Municipal, onde o Prefeito pronunciou uma belíssima saudação e D. Cintra deu a sua primeira bênção pastoral. Naquela época feliz a população pretropolitana era quase toda católica — como, aliás, acontecia no Brasil todo — com ligeiras exceções de alguns descendentes de imigrantes alemães, do século XIX, que mantinham-se protestantes, mas que eram um mosquitinho na sopa brasileira. A bênção foi portanto dirigida a 99,9% dos habitantes de Petrópolis. Dias depois D. Cintra seria entronizado, como já contamos, linhas acima.
Nascido a 11 de novembro de 1906, em Piracaia, interior de São Paulo, de linhagem aristocrática paulista, como já mencionamos, ainda muito jovem sentiu sua vocação para o sacerdócio. Entrou para o Seminário de Botucatu, onde freqüentou não só o seminário menor, mas também o maior. Seus superiores, surpreendidos por seus dotes de estudo e de vida espiritual, resolveram enviá-lo para Roma, para a Pontifícia Universidade Gregoriana, onde obteve o grau de Doutor, tanto em Filosofia como em Teologia.
Ordenado sacerdote na Basílica de S. João de Latrão (a mais antiga das quatro basílicas romanas) em 26 de outubro de 1930, voltou para o Brasil em 1931, onde foi logo nomeado Cura da Catedral de Cafelândia (hoje Diocese de Lins).
Sua vida espiritual foi tomando sempre maior vulto, em função de seus estudos, de sua prática sacerdotal, principalmente no púlpito e no confessionário, onde seus fiéis o procuravam sem cessar, formando filas infindáveis, em ambos os lados, que obrigavam o Padre Manuel Pedro a permanecer horas e mais horas ouvindo confissões e direcionando seus fiéis para a santificação que é, em última analise, a verdadeira função do sacerdote. Foi logo notado pelas autoridades eclesiásticas de São Paulo, que quiseram aproveitá-lo para outras funções. De 1934 a 1939 lecionou Filosofia e Teologia no Seminário Central de São Paulo, até que em 1940 foi eleito Reitor do Seminário Central do Ipiranga.
Professor Jeronymo Ferreira Alves Neto, que dedicou um dos capítulos de sua magnífica obra “Brasileiros ilustres em Petrópolis” (da qual me servi para obter grande parte de dados históricos da vida de D. Cintra), a D. Manuel Pedro da Cunha Cintra, escreve em dado momento do artigo de seu livro, que “D. Cintra se tornou o Pai Espiritual que, ao ministrar aos jovens seminaristas os conhecimentos científicos e a mensagem evangélica, dirigia-se mais ao coração do que ao espírito impondo-se pela Bondade e governando pelo Coração”.
Nessa altura, Padre Manuel Pedro foi feito Monsenhor pelo Santo Padre Pio XII e passou a exercer funções cada vez mais destacadas, na vida sacerdotal, como o de Cônego Efetivo da Catedral de Ribeirão Preto, Juiz Pós-Sinodal do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese e visitador apostólico dos Seminários do Brasil, nomeado pela Santa Sé em 1944.
Nessa passagem de seu livro, Professor Jerônimo faz a seguinte observação: “para exercer tão elevadas funções era preciso possuir as qualidades extraordinárias de saber, prudência e peregrinas virtudes”.
Monsenhor Cintra visitou, em apenas dois anos, todos os seminários do Brasil, corrigindo defeitos encontrados e tentando melhorar o que já havia de bom no ensino e na vida espiritual. A Santa Sé, observando lá de Roma, tantas qualidades e virtudes, e sabedora dos desejos dos petropolitanos de possuírem o seu Bispo, uniu essas virtudes e desejos e, como já escrevemos, em 1946, foi criada a Diocese de Petrópolis e em 1948, Monsenhor Cintra tornou-se o primeiro Bispo de Petrópolis. Sua ação pastoral, em Petrópolis foi das mais eficazes e edificantes, durante os 36 anos nos quais dirigiu nossa Diocese. Desde 9 de janeiro de 1948 a 29 de fevereiro de 1984, quando então, obedecendo às novas normas da Santa Sé Apostólica, de que os Bispos devem renunciar ao atingirem 75 anos, D. Cintra tornou-se Bispo Emérito de Petrópolis. Ele completara 75 anos em 1981, mas o Santo Padre João Paulo II só aceitou sua renúncia em 1984. Como Bispo Emérito passou a viver e a lecionar no Seminário de Nossa Senhora do Amor Divino por ele criado.
Além da Universidade e do Seminário seu governo da Diocese foi fecundo em outras realizações, como, por exemplo, a, criação de 17 novas paróquias, a campanha “Fé, Cultura e Assistência” que realizou inúmeros benefícios, como o Abrigo par à velhice “Lar João de Deus”, a “Legião de Maria” e muitas outras obras monumentais, sem mencionarmos seu legado espiritual literário em homilias, cartas pastorais e circulares.
D. Cintra celebrou seu jubileu de ouro de Ordenação Sacerdotal em 1980, com Missa Solene e muitas outras solenidades, muitas das quais participamos na qualidade de Professor da Universidade Católica de Petrópolis. Nessa ocasião pudemos lembrar daquela bênção que recebemos, com 16 anos, em 1948, quando o grande Bispo de Petrópolis adentrou solenemente em sua Catedral, onde hoje jaz em seu sepulcro, em torno do Altar Mor de S. Pedro de Alcântara desde sua morte em 30 de março de 1999, quando Nossa Senhora do Amor Divino veio buscá-lo, para ser um de seus caudatários, na Corte Celeste.
FIM

2 comentários:

Bruno Tamancoldi disse...

Grande Professor Otto, como é bom ler um texto de um historiador de verdade que re-porta o leitor ao acontecido.
gostaria de lhe perguntar se tem algum texto sobre aristocracia em petrópolis no século xix?
forte abraço e sdç acadêmicas

vannaochs disse...

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