terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Maria Antonieta de Habsburgo-Lorena. Rainha da França

Maria Antonieta de Habsburgo-Lorena,
Rainha da França


• Trabalho não-publicado - 01/10/2006 •

Otto de Alencar de Sá-Pereira

Estamos em 1793, plena Revolução Francesa. A Rainha Maria Antonieta encontra-se encarcerada na Prisão do Templo, que tinha esse nome, porque fora a sede dos Templários, nos séculos XIII e XIV. Sua cela é pequena e suja, e ela não está sozinha, acompanham-na seus dois filhos o Delfim (herdeiro do trono) Luís, sua filha Maria Thereza (futura Duquesa d’Angoulême; depois da Revolução, depois de Napoleão, na Restauração dos Bourbons, ela casou-se com seu primo irmão, o filho primogênito do Conde d'Artois, depois Carlos X, o Príncipe Duque d’Angoulême) e sua cunhada, Madame Elizabeth irmã do Rei Luis XVI, que naquele momento está sendo conduzido para a guilhotina.
Os quatro Príncipes encontram-se em oração diante de um rústico crucifixo. De repente, ouve-se tiros de canhão, rufar de tambores, gritos e algazarras dos guardas da prisão e do povo nas ruas. Era o sinal, o Rei acabara de ser guilhotinado. A Rainha, que só tinha 38 anos, mas que envelhecera visivelmente, nos anos de sofrimento, desde 1789, a cabeça ficara inteiramente branca, recompõe-se, e com a mais triste e digna das atitudes, ajoelha-se diante do filho de 8 anos, o novo Rei, seguida, em seu gesto, pela filha e pela cunhada. Baixo, pronunciam a fórmula multissecular: “Le Roi est mort, vive le Roi!” O menino Delfim era agora de direito, Sua Majestade Cristianíssima Luís XVII, Rei de França e de Navarra. Rei que não reinou, mas que foi reconhecido como tal, por todas as monarquias européias, que, na época constituíam a Europa inteira, menos a Suíça, San Marino, e desde o ano anterior, a própria França; Rei que sofreu horrores, e que finalmente, morrendo em conseqüência dos sofrimentos em 1795, deu direito, a seu tio, que estava no exílio, Príncipe Luís Stanislau de Bourbon, Conde de Provença, se proclamar, o Rei Luís XVIII de França, que veio a reinar, mais tarde, depois do furacão napoleônico, de 1814 a 1824, no período da restauração. Em seguida à morte de Luís XVI, o novo Rei de 8 anos foi por ordem dos revolucionários separado da mãe, da irmã e da tia, e tratado por um sapateiro, homem sem escrúpulos, que metia na cabeça do pequenino Rei as mais porcas e pornográficas histórias sobre sua mãe, a Rainha, sobre seu pai o falecido Luís XVI, enfim sobre toda a Família Real, e alimentando-o tão mal, que o menino só viveu mais dois anos, depois da morte de seus pais, Luís XVI, em janeiro de 1793 e Maria Antonieta em outubro do mesmo ano.Esse ano de 1793, para a Rainha Maria Antonieta, foi o seu calvário, sua santificação, que se findou com o martírio.
Ela era filha da Imperatriz do Sacro-Império-Romano-Alemão, Maria Thereza, essa, filha do Imperador Carlos VI, o qual, em seu reinado, não tendo filhos homens, fez tudo para que os Príncipes Eleitores aceitassem eleger sua filha para o Trono Imperial. Já na Hungria, uma das possessões dos Habsburgo, a tinham aceito, mas com o título de Maria Thereza, Rei da Hungria. Não conseguindo, Carlos VI propôs a eleição de seu genro, Francisco, Duque de Lorena, para a Coroa Imperial. Assim Francisco de Lorena tornou-se o Imperador Francisco I do Sacro-Império, naturalmente depois da morte de seu sogro Carlos VI; sua mulher, Maria Thereza passou a ser a Imperatriz-Consorte. Mas Francisco de Lorena morreu cedo e Maria Thereza assenhoreou-se da Coroa Imperial, em lugar de seu filho José II, que só era o Imperador, mas que só reinou mesmo depois da morte dela.
Maria Thereza foi portanto, a última Habsburgo por varonia. A partir dela, seus descendentes serão Habsburgo-Lorena, como era Maria Antonieta, seu irmão José II, que não teve filhos, seu outro irmão Leopoldo II e seus muitos descendentes (um deles, filho primogênito, Francisco II do Sacro-Império, mas depois, Francisco I do Império Austríaco, a partir do Congresso de Viena), o pai de nossa Imperatriz D. Leopoldina, que portanto, era sobrinha-neta de Maria Antonieta.
A Corte de Viena, de onde veio Maria Antonieta, era brilhante artisticamente, mas era uma corte austera, dirigida pelo cerimonial espanhol, muito rígido. A pequena Maria Antonieta, Arquiduquesa de Áustria, é dada em casamento em 1770, ao Delfim Luís de França neto de Luís XV, da Casa de Bourbon, futuro Luís XVI. Da Corte austera do Hoffburg e do Schoenbrunn, em Viena ela se maravilha com a alegria, festas e futilidades da Corte de Versalhes. Afinal de contas ela só tem 15 anos! Sua mãe, a Imperatriz, a escreve sempre, pedindo-a para manter seus hábitos religiosos, sua seriedade, e virtudes. Seu marido não gosta de futilidades e de festas, mas não lhe constitue um empecilho, pois seus cunhados e seu primo o Duque de Orleans (futuro Philippe Égalité), a levam para toda parte, não só para as festas do próprio Versalhes, que são diárias, com uma nobreza que a bajula e mimoseia (esperando favores futuros, quando ela fosse Rainha), mas também para teatros e salões de Paris.
Seu marido procura prendê-la no palácio, em seus aposentos, argumentando que o povo francês já não estava apreciando sua vida, quase dissoluta; mas, sem resultados, ela era muito jovem e ficara encantada com tudo aquilo e achava que não tinha mal nenhum em divertir-se.
O povo francês, digo mal, o parisiense, passou a detestá-la. Não o povo das ruas, mas a burguesia, contaminada pelas idéias iluministas, que aproveitava-se dos boatos contra a Delfina para preparar a derrubada da monarquia, da mais prestigiosa monarquia da Europa. O ódio contra a Princesa Delfina, uma criança, era insuflado por esta burguesia, aumentando a gravidade das leviandades de Maria Antonieta e inventando outras. Muitas eram as Princesas, Duquesas, Marquesas e Condessas que agiam como ela, raramente na companhia de seus maridos como eles também em companhias de outras senhoras. Isso não era novidade; a Corte de Versalhes era conhecida pela dissolução de costumes, desde Luís XIV (1643-1715). Mas Luís XIV, na velhice, mudou tudo. Transformou Versalhes em um convento. Com o Regente, e com Luís XV (1715-1774) voltou aos poucos, o espírito dissoluto da Corte, de festas e futilidades, que foram num crescendo tão grande que a própria honra e o próprio amor próprio dos nobres, foi sendo corrompido. Era chique adotarem as idéias dos filósofos iluministas. Era uma Babilônia, uma Sodoma, à espera do castigo de Deus. Um grande historiador brasileiro escreveu um livro sobre essa fase da História de França, que ele intitulou: “Despreocupados a caminho da guilhotina”.
Esse crescendo atingiu o cume no reinado do pobre Luís XVI, homem simples e religioso, que amava a mulher e por amá-la, não tinha pulso para retê-la e afastá-la das más companhias. Umas dessas más companhias, as famílias de seus cunhados, o Conde de Provença (futuro Luís XVIII – 1814-1824) e o Conde d’Artois (futuro Carlos X – 1824-1830) emigraram quando teve início a Revolução e o Duque d’Orleans (que fez a família emigrar) mas ele mesmo ficou e declarou-se revolucionário. Na Assembléia Revolucionária a partir da instauração da República, elegeu-se deputado com o nome de Philippe-Egalité, (Filipe Igualdade) e votou, a morte do Rei seu primo. Mais tarde sua cabeça também rolou na guilhotina (mas seu filho Luís Filipe, foi Rei de 1830 a 1848). Nesse ambiente dissoluto, Maria Antonieta, finalmente, ouvindo as pessoas sensatas, entre elas o Rei seu marido, começou a mudar (a morte de sua mãe a Imperatriz Maria Thereza, em 1780, muito a chocou e a fez raciocinar mais nas palavras dela, em suas epístolas, aconselhando-a sempre no caminho do bem, da virtude e da honra). Finalmente, na manhã de 14 de julho de 1789, o Duque de La Rochefoucauld, acordou o Rei para lhe contar que a Fortaleza da Bastilha tinha sido tomada pelo povo. O Rei retrucou – “Então é uma revolta?” O duque - “Não sire, é uma Revolução”. O duque deveria ter se expressado melhor dizendo: “Não sire, é a Revolução”. Em seguida foi a partida forçada da Família Real de Versalhes para o Louvre em Paris. Depois, do Louvre para o “Palais Royal”, que era menor. Finalmente a Família foi presa nas dependências da Assembléia Nacional e posteriormente para a prisão do Templo, onde Maria Antonieta se inclinou diante de seu filho, o Rei sem trono Luís XVII. Depois da morte do Rei Luís XVI, o pequenino Rei não pode ficar mais na companhia de sua mãe, irmã e tia. Passou a ser “educado” pelo sapateiro. A Rainha, olhando por uma ogiva com grades, de sua cela, certo dia, viu, por frações de segundo, passar o filho de um prédio para outro. A partir daí, ela ficava o dia inteiro, nessa ogiva, trepada em um banco, pois a abertura era alta, para ver o filho passar, naquela fração de segundo, por dia. Afinal foi conduzida para a prisão onde deveria assistir a seu julgamento. Chamavam-na de mulher de Luís Capeto (Capeto era o nome primitivo dado ao primeiro Rei da 3ª dinastia dos Reis de França, Capetíngios diretos, Valois e Bourbons, que teve esse nome por causa de seu primeiro Rei Hugo Capet, século X que usava uma pequena capa. Usavam o nome Capet para não terem que pronunciar em julgamento o prestigioso nome Bourbon, que reinava em quatro monarquias da Europa.
Acredito que nunca uma mulher foi tão ultrajada e humilhada, na História, quanto foi Maria Antonieta, por ocasião de seu julgamento. As novas idéias exigiam que houvesse um julgamento, pois a “Revolução era o Império da Lei”. O Rei também tinha sido julgado e depois do Rei e da Rainha os membros da Família Real, da nobreza e do clero, que não tinham conseguido emigrar. Mas nunca, nenhum deles, naquele “Império da Lei”, foi absolvido. Depois os revolucionários passaram a se acusar uns aos outros, e todos também eram condenados e guilhotinados. Nos regos de Paris corria sangue em lugar de água.
Durante o julgamento de Maria Antonieta, as mais revoltosas e asquerosas mentiras e calúnias foram pronunciadas contra ela. Ela, em seu banco de ré, com a coluna vertebral sempre reta, a cabeça branca, vestida com uma camisola de tecido ordinário, a face séria e distante, a cabeça erguida e olhando o infinito, era a própria expressão da Dignidade e da Majestade. Nos intervalos dos julgamentos infindáveis, ela, em sua cela, só rezava e pouco dormia e comia. O resultado foi seu enfraquecimento gradual. Caminhando titubeante, da cela para a sala de sessões do julgamento, tropeçou em um pequeno degrau. O soldado que estava em posição de sentido, guardando a porta, instintivamente, amparou-a, segurando seu cotovelo, como faria a qualquer pessoa. No dia seguinte esse soldado foi guilhotinado, acusado de reacionário, por ter procurado evitar o tombo da infame austríaca, da viúva de Luís Capeto.
Ela suportou tudo, sempre calada. Não dirigia a palavra nem a seu advogado de defesa, com medo de criar contra ele uma situação, que também o conduzisse à guilhotina.
Suportou tudo. Menos quando levaram ao plenário seu filho (o pequeno Rei Luís XVII, que nem sabia que era Rei) Luís, e fizeram-no acusar a mãe de prostituta, que tirara sua inocência, fazendo sexo com ela. Tudo era suportável, menos isso! Ela pôs-se de pé, e, em alta voz, que impressionou a assistência, pronunciou: “Diante de tal horror a que me acusam, apelo para todas as mães aqui presentes, para declararem se isso é possível! Foi uma algazarra! As mães, de pé, protestaram e, pela primeira vez, defenderam Maria Antonieta. Tal foi à imprudência do Promotor, que logo precisou mudar a orientação da acusação.
Finalmente veio a sentença: guilhotina! Sentada na banqueta da carroça que a conduzia para a morte, sempre com a mesma dignidade e majestade, passou pelas ruas de Paris, empilhadas de gente, que no princípio repetia os mesmos berros de acusação. Mas, na medida que ela passava, na carroça puxada por burros, e cercada de soldados militares, o povo foi se calando, até acontecer um silêncio impressionante. Algumas mulheres puseram-se até de joelhos, por perceberam que se tratava de uma santa sendo conduzida ao martírio.

2 comentários:

Anônimo disse...

Engraçado, quando ela comia às custas do erário real não reclamava, quando dava suas festas comentadíssimas também não reclamava. A França possuía uma população de 80% miseráveis, que não comiam e bebiam como a rainha, a Revolução havia explodido, o povo não aguentou pagar a conta dos nobres e do clero. Não há mal nisso, a morte, humilhação e todo o resto é consequencia dos muitos anos de absolutismo desregrado.

Anônimo disse...

tudo bem, ela errou muito, mas ninguem merece uma morte dessas. é desumana.