segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O REGICÍDIO


O Regicídio


Otto de Alencar de Sá-Pereira

Tudo o que é de Portugal, interessa ao Brasil. O povo brasileiro foi constituído por três etnias básicas: o branco português, o silvícola, de raça amarela, e o negro africano. As três etnias contribuíram imensamente à nossa formação cultural e racial. Mas, ao nosso ver, a etnia branca portuguesa foi a mais forte. Afinal de contas o Brasil foi trezentos anos uma continuação de Portugal, desde 1500 até 1808 (chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, que proporcionou meios para a nossa independência em 1822). Os brasileiros falam a língua portuguesa do Acre ao Rio Grande do Norte, do Amapá ao Arroio Chuí, no Rio Grande do Sul. Porque foram portugueses os desbravadores, os colonizadores, os assentadores de civilização, nesse imenso continente que é o nosso Brasil. Foram eles também, que junto com a colonização, trouxeram a cultura européia e principalmente o Cristianismo Católico. Foram eles que, em lugar de se oporem e de combaterem os autóctones (os índios) (como fizeram seus irmãos ibéricos, os espanhóis, no resto das Américas), com eles se misturaram. O primeiro brasileiro autêntico foi o filho nascido de um homem português com uma índia, que chamamos de mameluco. A esse caboclo veio misturar-se etnicamente, logo depois o negro africano, chegado como escravo, que deu no cafuzo. Ou então o mulato, miscigenação do português com a negra africana. Essa foi à fantástica qualidade do colonizador português: a miscigenação racial. Tanto que, podemos afirmar, sem medo de errar, (pois temos como orientador neste estudo, nada mais, nada menos, que Gilberto Freire) que nas famílias antigas brasileiras não existem brancos puros, por mais branca que seja a tez da pele e por mais claros que sejam os olhos do brasileiro ou da brasileira. Brancos e índios = mamelucos. Brancos e negros = Mulatos. Negros e índios = Cafuzos. Mas não ficou assim estagnada a nossa formação étnica, em três grupos de miscigenados. Esses grupos continuaram a fantástica mistura racial, que veio a dar no homem brasileiro: Brancos com mamelucos; brancos com mulatos; brancos com cafuzos. Negros com mulatos; negros com mamelucos; negros com cafuzos. Índios com cafuzos. E assim por diante... Fenômeno raro no mundo inteiro.
E o interessante, psicologicamente, é que todos querem ser brancos, todos falam o português, integram-se magnificamente.
A maioria procura dizer-se branca ainda que tenha pele bem morena ou cabelo pixaim; eles até denominam esse tipo racial de cabelo, de “cabelo ruim!”, tal é a fascinação em ser branco, ou tender a esbranquiçar-se na população brasileira.
Essa tendência seria a de quererem passar-se por portugueses? Não. Não é isso. Querem ser brancos, mas não querem ser portugueses. Entretanto, é justo que se diga, a maioria da população brasileira, de cor branca, negra, de cor morena ou parda, tem sobrenome português, fala português e, não se pode deixar de concordar, tem todo um romantismo apaixonado por tudo que venha de Portugal, mesmo contando “piada de português”. Na piada de português, o português ou é burro ou é ingênuo. Mas é piada, não é a realidade. E o brasileiro sabe disso, porque ou seu sogro é português, ou seu pai, ou seu avô, ou ... seu bisavô, e eles os conhecem ou conheceram ou sabem histórias deles, que lhes mostram uma realidade bem diferente.
Podemos provar isso com uma simples história de família, que justifica o título “regicídio”. Por volta de 1906, 1907 ou 1908 anunciou-se aqui em nossa pátria, uma próxima visita de El Rei D. Carlos I de Portugal ao Brasil, acompanhado da Senhora Rainha D. Amélia (que era nascida de Orleans, Princesa de França) e seus dois filhos, o Príncipe Real D. Luís Philippe e seu irmão o Infante D. Manuel. Nessa época, governavam o Brasil o Presidente Rodrigues Alves (1902-1906) e o Presidente Affonso Penna (1906-1909). Portanto o anúncio da visita do Rei e depois a notícia do regicídio deram-se nos governos do 5º e 6º Presidentes da República. Conseqüentemente a República era ainda muito nova. E o Rei que nos vinha visitar era sobrinho-neto de D. Pedro II (que faleceu em 1891) e primo-sobrinho da Princesa D. Isabel a Redentora, que vivia no exílio da França. E ainda tinha mais, sua mulher, a Rainha D. Amélia, era prima sobrinha do Conde d’Eu (Gastão de Orleans Príncipe de França). Apesar das idéias republicanas ainda estarem um tanto fortes e portanto anti-monáquicas, entre os governantes do Brasil, apesar desse parentesco tão próximo da Família Real Portuguesa com a nossa Família Imperial, deposta e exilada, esse anúncio de visitantes tão ilustres, causou entre os brasileiros e particularmente entre os cariocas, uma alegria quase tão grande, quanto a chegada, um século antes (1808), do Príncipe regente D. João (futuro D. João VI) da Rainha Maria I e de toda a Família Real, fugidos da Europa conturbada por Napoleão.
Um tio bisavô nosso chegou a comprar um enorme palacete, em pleno Rio de Janeiro e decorá-lo com preciosidades luso-brasileiras para vendê-lo ao Governo Brasileiro, para que este tivesse como receber condignamente os Reis de Portugal.
Mas, eis que em 1908, chega ao Brasil, a dramática notícia: “O Regicídio”. O Rei D. Carlos I e seu filho, o Príncipe Real D. Luís Philippe tinham sido barbaramente assassinados.
A Família Real viera, por mar, do Porto para Lisboa. Na chegada ao cais, esperavam-na altas personalidades do governo e muita tropa de cavalaria para fazer a guarda de honra da carruagem aberta, que conduziria o Rei, a Rainha e os dois Príncipes. O Rei dispensa a guarda cavalariana, para melhor ver o povo, e vice-versa, ordenando que só dois oficiais da cavalaria dos dragões, escoltassem a carruagem. O Rei senta-se no banco de honra tendo a Rainha a seu lado, enquanto que o Príncipe Real toma acento à frente do Pai, e o Infante D. Manuel à frente da Mãe. E a carruagem parte no meio das aclamações populares. Ao chegar ao terreiro do Paço, do meio da multidão, surgem dois homens, em extrema rapidez, um armado de pistola e o outro de fuzil. O da pistola, trepa no estribo da carruagem, e, à queima roupa, assassina o Rei D. Carlos. D. Luís Philippe tenta reagir, mas também é assassinado pelo outro anarquista, de longe, com o fuzil. O que matou o Rei pretendia assassinar também D. Manuel, mas a Rainha, com o “bouquet” de flores que recebera à sua chegada, e pondo-se de pé, chafurda, a ponto de ferir o anarquista no rosto desse modo salvando a vida do segundo filho, que só teve o braço ferido. Um escritor e jornalista francês, da época, escreveu” “La Reine se mit debout, et debout elle restera dans l’Histoire” (A Rainha pôs-se de pé, e, de pé ela ficará na História).
Os anarquistas foram chacinados, na hora, pelos cavalarianos e pelo povo. Os corpos do Rei e do Príncipe mortos, foram levados em catres e colocados em esteiras no pátio do Arsenal de Marinha. A carruagem seguia atrás levando a Rainha e seu segundo filho, que tinha o braço ferido e que naquele momento tornara-se o Rei D. Manuel II de Portugal. A Rainha D. Amélia, em prantos velava o corpo do filho morto, quase esquecendo-se do marido e Rei. Quando entra no pátio do Arsenal de Marinha uma carruagem fechada, trazendo a Rainha-Mãe D. Maria Pia de Savoia, (filha de Vittorio Emanuelle II da Itália, viúva do Rei D. Luís I e mãe de D. Carlos). D. Amélia em desespero, corre para os braços da sogra e diz: “ Maman, mataram meu filho”. Respondendo e apontando para D. Carlos, a Rainha-Mãe pronuncia, com altivez e majestade: ”e o meu também”, Amélia”. Esse regicídio teve uma repercussão dolorosa em Portugal, naturalmente, mas também no Brasil, e no mundo inteiro. No Brasil, em particular, o nosso tio bisavô, que apreciava muito o Rei D. Carlos, teve portanto, dois fortes golpes: o primeiro, a perda do amigo, em circunstâncias tão trágicas; e o segundo um golpe financeiro terrível, porque evidentemente o Governo Brasileiro, não se interessou mais em comprar o palacete. O Regicídio aconteceu em 1908. Em 1910 era proclamada a República, obrigando o Rei D. Manuel II e toda a Família Real a retirar-se para a Inglaterra, onde o rei George V, recebeu-os com a maior cortesia.
Podemos estar enganados, no que agora vamos aventar: parece-nos que o Regicídio em Portugal, em 1908, e a República em 1910, causaram mais impacto no povo brasileiro, que a própria Proclamação da República no Brasil, em 1889.
Talvez tenha acontecido que o povo brasileiro, já amargurado com o que lhe acontecera em 1889, chocou-se ainda mais com a república em Portugal, assim como, um filho ferido gravemente, em combate, possa ficar ainda mais atingido, vendo seu pai, logo depois, também ser abatido por um balaço do mesmo inimigo.
É uma prova bem contundente de nossa profunda ligação com Portugal.

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