quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

UM REI CATÓLICO

Um Rei Católico

• Trabalho não-publicado - 01/10/2006 •

Otto de Alencar de Sá-Pereira

Nos exemplares dos dias 8 e 9 de fevereiro de 2006, do Jornal O Globo, na seção intitulada “O Mundo”, encontramos a terrível notícia do assassinato do Padre católico, Andréa Santoro, de 61 anos, italiano, pároco de Trebizonda, na Turquia. Poucos dias antes de sua trágica morte, ele havia escrito ao Santo Padre Bento XVI, pedindo que, em sua viagem à Turquia, programada para novembro desse ano, não deixasse de visitar sua Paróquia de Trebizonda (nome que nos faz reviver antigas passagens históricas da Idade Média, do tempo das Cruzadas e do Império Bizantino).
O Padre Andréa foi morto a tiros, por um jovem islâmico de 16 anos, recrutado por um grupo extremista, como vingança das charges ofensivas a Maomé, publicadas em diversos jornais europeus e americanos.
A resposta do Santo Padre ao nefasto ocorrido, foi declarar que “o Padre Andréa era um silencioso e corajoso servidor do Evangelho”, - “que o sacrifício de sua vida contribua para a causa do diálogo entre as religiões e a paz entre os povos”.
Entretanto, o Ministro da Reforma, da Itália, Roberto Calderoli, sugeriu que o Papa liderasse uma Cruzada, naturalmente Cristã, contra o Islã, assim como haviam feito S. Pio V (1566-1572), com a vitória dos cristãos, na batalha naval de Lepanto, contra enorme frota turca, que pretendia invadir a Europa, ou então Inocêncio XI (1676-1689), que conseguira que o Imperador do Sacro Império Romano Alemão e o Rei da Polônia, Poniatowski, vencessem os turcos otomanos que já cercavam Viena e que, com o tempo, mais tarde, foram expulsos totalmente da península balcânica. (É preciso lembrar que a queda do Império Bizantino em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos, deu início à invasão islâmica, em todos os países balcânicos, tanto que, até hoje, algumas dessas nações, ainda se conservam muçulmanas, como, por exemplo, a Bósnia-Herzegovínia e a Albânia).
Vejamos, nesse fato histórico, um contraste: o jovem islâmico, ao atirar no Padre Santoro, que terminara de consagrar o Corpo e o Sangue de Cristo, pois estava no fim de sua Missa, ao atirar, gritou: “Alá é grande!” A essa ação ignominiosa, a resposta da Santa Igreja saída dos lábios do Vigário de Cristo, foi plena de doçura e paz. Apesar dessa resposta, verdadeiramente sublime, o Ministro da Reforma, da Itália, quereria voltar aos tempos de guerra armada, entre cristãos e muçulmanos? Em uma coisa ele está certo: “os islâmicos mudaram sua estratégia; antes usavam só terroristas, agora movem as massas e atacam embaixadas”.
Mas...Daí voltarmos aos tempos das cruzadas e das reações da Igreja e de Reis Cristãos contra os islamitas, nos século XVI e XVII, há um abismo!
Esse abismo não é só histórico, mas, também psicológico. Nos tempos medievais, os turcos, que se tinham convertido ao Islã, graças aos árabes, de repente consideraram os árabes muito benévolos, em relação ao mundo cristão (eram principalmente os árabes que faziam a ligação comercial entre Ocidente e Oriente – o que permitia aos cristãos visitarem os Lugares Santos, etc), e conquistaram o Império Árabe do Oriente, dos Abássidas, cortando totalmente a comunicação da Europa com o Oriente (cristão bom é cristão morto).Naturalmente isto causou a indignação contra os turcos, sendo o pretexto das sete Cruzadas, que se sucederam desde o século XI até o século XIII, inicialmente movidas por um espírito totalmente religioso, e com o tempo, levadas por interesses também políticos, econômicos e sociais. A última delas, a 7ª, do século XIII, causou a morte do grande Rei de França, S. Luis IX.
Já nos séculos XVI e XVII, com as vitórias cristãs de Lepanto (século XVI) e das portas de Viena (século XVII), os cristãos estavam se defendendo em legitima defesa. Se nos séculos das Cruzadas, eles tinham sido os atacantes, agora eles eram os agredidos. Já muda de figura!
Hoje, os cristãos voltam a ser os agredidos e por que? Na realidade, na triste realidade atual, o percentual de muçulmanos que leva sua religião a sério é muitíssimo maior que o de cristãos, principalmente os cristãos europeus e norte-americanos, que não fazem só charges ofensivas a Maomé mas que também o fazem do próprio Cristo, de Maria e dos anjos e santos, e pior ainda, filmes e livros blasfemos, dos quais os piores foram “A última tentação de Cristo” e o ridículo “Código Da Vinci”.
Os cristãos não crêem mais em Deus! Se Cristo fosse vítima de charges em Damasco, ou Beyruth ou Badgad, não haveria, tenho certeza, a menor reação dos cristãos. Haveria certamente uma nota reprobatória do Vaticano e os católicos integristas e os mais tradicionais e piedosos, talvez fizessem alguns atos pacíficos de desagravo a Jesus e Maria, com procissões, missas e ladainhas. E essa seria a reação justa, mas infelizmente, estes católicos, constituem hoje uma minoria no mundo cristão. No Ocidente moderno vive-se, ou não tomando em consideração a doutrina cristã, ou como se Deus não existisse. “Hélas, malhereusement”! Já na Idade Média e mesmo no século XVI, especialmente na Espanha, a terra do grande Rei católico, as atitudes eram outras.A batalha de Lepanto, contra a invasão dos turcos na Europa foi vitoriosa graças às orações, jejuns, penitências e missas que S. Pio V, o Papa, Felipe II o grande Rei da Espanha, o Rei Católico, e seu general-almirante D. João d’Áustria, (tio bastardo do Rei) ordenaram que fossem praticados por todos os soldados e marinheiros cristãos. E veio a vitória! Os turcos foram massacrados. A notícia da vitória católica só chegou a Roma alguns dias depois, mas na hora da vitória, S. Pio V recebeu um aviso do Céu, e ordenou o badalar de sinos de todas as igrejas de Roma.
Felipe II rezava na sua capela do Escurial, quando chegou à boa nova da vitória de Lepanto. Quando o Rei estava em oração, nenhum de seus palacianos, nem mesmo da Família Real, ousava interrompê-lo. Quando finalmente terminou suas preces, os nobres aproximaram-se dele, em reboliço, para lhe transmitirem a notícia alvissareira. Ele, entretanto, impávido, sem mudar sua expressão facial, respondeu: “Ya lo sabia” (já sabia). Como era possível que ele soubesse? Só mesmo, também, por meio de uma comunicação sobrenatural. Depois, ordenou que se badalassem os sinos e se celebrassem vários “Te Deum” e Missas em Ação de Graças. Quem foi esse Rei, que injustamente, a Enciclopédia Britânica tem a petulância de declarar, “o menos devasso dos Reis europeus do período Renascentista? Devasso? Um Rei quase santo, isso sim”.
Já sua origem dinástica, genealógica, o encaminhava para uma vida santa. Seu pai, fora o Imperador Carlos V do Sacro-Império-Romano-Alemão e Carlos I da Espanha, homem de sua época, mas também um soberano que não vivia sem Deus. A prova está nos fatos que precederam seu falecimento: sentindo que ia morrer, abdicou da coroa espanhola para seu filho Felipe II e de suas possessões germânicas para seu irmão Fernando, conseguindo que esse o sucedesse como imperador do Sacro-Império. Depois dessa dupla abdicação, retirou-se para o mosteiro de Yuste, fez-se frade, onde veio a morrer poucos anos depois. Carlos V dividira em duas partes, suas possessões hereditárias, pois, dizia-se, na época, que o sol nunca se punha sobre seus domínios. E era verdade, pois, de seu pai Felipe I de Áustria (Habsburgo) ele herdara as nações germânicas e a Coroa Imperial. De sua mãe Joana de Aragão e Castela, vinham os feudos ibéricos reunidos nos Reinos de Aragão e Castela, de seus avós, os Reis Católicos, Fernando e Isabel, de onde provinham também às terras de Flandres, Nápoles e Sicília, o ducado de Milão, e, além mar, quase todo o Continente Americano, e possessões africanas, asiáticas e na Oceania, (as Filipinas).Já Felipe II, de sua mãe recebera uma rígida e piedosa educação católica, pois a Imperatriz Isabel era nascida infanta de Portugal, filha de D. Manuel I, o Venturoso (em cujo reinado Cabral tomou posse das terras de Santa Cruz, depois Brasil).
Carlos V e Isabel, os pais de Felipe o educaram como Príncipe católico, pleno da concepção de que seu poder provinha de Deus e o modo de dar contas a Deus de seus direitos, consistia em amar e dedicar-se inteiramente à Igreja e a seu povo.“Pola ley e pola Grey”, como se dizia na época: “pela Lei de Deus e pelo povo de Deus”. O Rei, desde seu tempo de Príncipe herdeiro, era quase adorado pelo povo espanhol e por todos seus súditos católicos das outras regiões e continentes (só não era apreciado, por razões óbvias, pelos súditos protestantes, das terras de Flandres). Casou-se quatro vezes. O primeiro casamento, com sua prima Maria de Portugal, que lhe deu um herdeiro, D. Carlos, que ele muito amou, mas, que morreu cedo. Seu segundo casamento, foi inteiramente político, pois sua esposa Maria I Tudor, da Inglaterra, pretendia, com o marido, restabelecer o catolicismo na Inglaterra, que desde o pai dela Henrique VIII, estava dividida entre católicos e protestantes, com a criação da Igreja Anglicana, pelo Rei seu pai. Mas Maria I Tudor, também morreu cedo, de um tumor cancerígeno, deixando-o viúvo pela segunda vez, e perdida a Inglaterra para o protestantismo. Organizou a “Invencível Armada” para reconquistar a Grande Albion, mas, os caminhos da Providência são diferentes dos nossos, e a Armada fez-se em pedaços pela fúria dos mares no Golfo de Biscaia. A Inglaterra ficou com sua cunhada Elizabeth I, filha bastarda de Henrique VIII com Ana Bolena, que concretizou um protestantismo, à moda inglesa, em seu reinado. Para evitar guerras com a França, Felipe II casou-se, uma terceira vez, com Isabel de Valois (filha de Henrique II de França e de Catarina de Medicis). A rainha morreu sem lhe dar um herdeiro homem, e hei-lo viúvo pela terceira vez. Casou-se ainda uma quarta vez com Ana Maria de Áustria (uma Habsburgo, como ele), e essa então deu-lhe o esperado herdeiro, que o sucederia no trono espanhol como Felipe III.É interessante observar que foi Felipe II que usurpou o trono de Portugal, em 1580. Uma usurpação um tanto “sui generis”. Seu primo o Rei D. Sebastião de Portugal, morrera ou desaparecera na Batalha de Alcacer-Kebir, contra os mouros, no norte da África. D. Sebastião era solteiro, não tinha filhos, nem irmãos, nem sobrinhos, nem primos de primeiro grau. Sua morte ou desaparecimento, deu-se em 1578, e, não havendo herdeiro direto, quem assumiu a coroa, pela Sagrada Linha de Sucessão Dinástica, foi um irmão de seu avô D. João III (das Capitanias Hereditárias), seu tio-avô, o Cardeal-Rei D. Henrique II, que só viveu dois anos, falecendo em 1580, ano trágico na História de Portugal. Com a morte do Cardeal-Rei, naturalmente sem herdeiros diretos, a Coroa portuguesa caberia a uma sobrinha-neta de D. Henrique II e de D. João III, D. Catarina, casada com um Príncipe português, de uma ramo mais colateral, o Duque de Bragança. (Origens da Dinastia de Bragança). Mas, D. Catarina era mulher e seu marido não tinha poder militar. Outro primo dela também sobrinho-neto dos Reis citados e portanto, como ela, primos em 2º grau de D. Sebastião (o desejado), D. Antônio, Prior do Crato, tentou uma resistência militar contra Felipe II (que também era primo deles, uma vez que, sua mãe, a Imperatriz D. Isabel, era irmã de D. João III e do Cardeal-Rei D. Henrique II). Felipe II era, entretanto, o mais poderoso Rei da Europa. O Prior do Crato tentou resistir, mas além de sua fraqueza militar, havia outro percalço contra ele: ele era bastardo do sobrinho dos citados Reis. A verdadeira detentora dos direitos ao trono era mesmo D. Catarina de Bragança. Apresentamos como um empecilho de fazer valer seus direitos, o fato de ser mulher. Mas, nessa mesma época, Elizabeth I não mandava e desmandava na Inglaterra? E Catarina de Medicis (princesa florentina), viúva de Henrique II de França, não fora Regente, com autoridade absoluta, nas minoridades de seus filhos, Francisco II, Carlos IX e Henrique III? Não fora ela que determinara o assassinato de todos os protestantes de Paris na célebre noite de S. Bartolomeu? Não eram elas também mulheres? Sim! Mas não eram ibéricas! A Península Ibérica, onde situam-se Portugal e Espanha, passara por sete séculos de domínio islâmico e guerras contra os mouros. Em sete séculos de lutas, cada lado pode conservar sua Fé, mas as culturas, mesclam-se. Houve até casamentos entre Príncipes cristãos e princesas muçulmanas e vice-versa! A cultura mourisca-islâmica influenciou muito a vida de espanhóis e portugueses. A mulher espanhola ou portuguesa, sofrera uma solução de inferioridade, como a mulher islâmica, por força do Corão. (O Corão ou Al Corão ensina que Alá criou primeiro o homem, depois o cavalo e só depois a mulher).
Com um resquício dessa cultura, mesmo sendo católica, como D. Catarina poderia opor-se ao poderoso primo, Felipe II de Espanha? Felipe II, embora neto de D. Manuel I, e sobrinho de D. João III e de D. Henrique II, não poderia nunca pretender à coroa portuguesa, pois, nas Cortes de Leiria, originárias do século XIV, ficava determinado, com força de lei, que jamais um soberano estrangeiro poderia cingir a coroa portuguesa. E Felipe II, como Rei de Espanha, era soberano estrangeiro.
Apesar disso, ele, vitorioso, desembarcou em Lisboa, como Rei de Portugal, (Felipe II em Madri; Felipe I em Lisboa) e quando os fidalgos portugueses, bajuladores, prostraram-se a seus pés, o saudando em espanhol, o Rei lhes reprovou asperamente, mas, em um português perfeito: “Como ousais dirigir-vos ao Rei de Portugal, em língua estrangeira?” O resultado dessa usurpação, de 60 anos, (1580-1640) com Felipe II (Felipe I em Portugal), Felipe III (Felipe II em Portugal) e Felipe IV (Felipe III em Portugal), foi o início das decadências espanhola e portuguesa, como potências de primeira categoria, para potências inferiores. Portugal foi humilhado pelo domínio dos Felipes, tanto que, quando da Restauração (com D. João IV de Bragança, neto de D. Catarina), usa-se, em terras lusitanas, chamar-se a Restauração de “Independência de Portugal”. Espanha inimiga e rival tradicional dos Estados dos Países Baixos, tanto do ponto de vista religioso (os holandeses eram protestantes), como dos pontos de vista político e econômico-comercial (os batavos possuíam uma excelente frota comercial). A antiga aliança entre Portugal e Holanda, no comércio triangular do açúcar, desfez-se, por ordem de Felipe II. Ele não podia permitir que seus arquiinimigos, os holandeses, se beneficiassem desse comércio, que era de grande valia. De fato, ele consistia no seguinte: navios comerciais, portugueses e holandeses (com a autorização do Rei de Portugal, naturalmente, anteriores aos Felipes), partiam de seus portos de origem, na Holanda e em Portugal, carregados de bugigangas baratíssimas, compradas nos camelôs de Amsterdã e de Lisboa; sem valor para os europeus, mas que enchiam a vista dos Reis africanos, que ainda se encontravam na Idade da Pedra. Essas embarcações dirigiam-se para a África Ocidental, onde trocavam (escambo) as bugigangas por centenas ou milhares de escravos. Os Reis africanos possuíam milhares de escravos de tribos vencidas em guerras. O Rei católico Felipe II permitia esse barbarismo, não por considerar que os negros não tivessem alma (séculos antes a Santa Sé Apostólica já ensinara que todos os homens, brancos, negros ou amarelos, descendiam de Adão e Eva, e que portanto possuíam alma) mas sim, movido pela ganância dos interesses econômicos. Muito antes de seu reinado, nos séculos XI, XII e XIII, as Cruzadas, como já vimos, não tinham sido movidas por interesses políticos, econômicos e sociais além do religioso? E isso na Idade Média, “L’âge de la Foi”, a “Doce primavera da Fé”, como a qualificou Leão XIII, no século XIX? Isso portanto nos mostra que, mesmo nos períodos mais místicos da História da Humanidade, o homem sempre foi o homem, pleno de defeitos e qualidades, na medida em que desequilibrava ou conseguia equilibrar as potências de seu espírito, a racionalidade (ou inteligência), a sensibilidade e a vontade, à Luz da Fé, praticando vícios ou virtudes. Na Idade Média predominaram as virtudes, no meio de muitos vícios, já no Renascimento, predominaram os vícios, no centro de muitas virtudes. Felipe II foi um Rei renascentista, mas com espírito ainda medieval. Em seu espírito predominavam as virtudes, mas havia vícios (por isso, nunca pensou-se em canonizá-lo).Continuando o comércio triangular do açúcar, os navios comerciais partiam da África carregados de escravos negros, e seguiam para o Brasil. Aqui, esses escravos, depois de devidamente engordados (nos navios negreiros, os que não morriam e eram jogados ao mar, emagreciam enormemente, ou por doenças ou alimentação deficiente; por isso, a necessidade de engorda), eram vendidos a preço de ouro, homens, mulheres e crianças. Só aí, esses comerciantes já obtinham enorme lucro. Com parte desse lucro, compravam açúcar (artigo cobiçadíssimo na Europa).Vendiam o açúcar na Europa, e então estava terminado o triângulo: Europa, África, Brasil e novamente Europa. Com a milionésima partes desse lucro, compravam as bugigangas e davam início a outro triângulo comercial. O que se passava na Europa, nessa época, é o que os historiadores, costumam chamar de “Revolução Comercial”, “Grandes Navegações”, “Descobrimentos Marítimos”, “Proto-Capitalismo”. E no meio dessas mudanças brutais, da Idade Média Feudal, para a Idade Moderna, Proto ou Pré Capitalista, situa-se Felipe II, um Rei de espírito medieval e de hábitos renascentistas. Houve um escritor que comparou o espírito de dois grandes padres, contemporâneos a Felipe, e que compartilham, os dois juntos a alma do Rei espanhol. Dizia o escritor: “Padre Manuel Bernardes, mesmo falando dos homens tem os olhos em Deus, e Padre Antônio Vieira, mesmo falando de Deus tem os olhos nos homens”. Felipe II tinha sempre os olhos em Deus, mas lidava com os homens, entretanto, às vezes queria que os homens, seus súditos, fossem perfeitos, como Deus é perfeito. Na realidade repetia as palavras de Jesus: “Sede perfeito como Vosso Pai Celestial é perfeito”. Aí está a contradição: um Rei catolicíssimo vivendo no século XVI, início do Renascimento, tendo de lidar com Reis franceses libertinos como Henrique II, como Carlos IX e Henrique III. Tendo que se indispor constantemente com Elizabeth I da Inglaterra e às vezes até com alguns Papas de espírito renascentista, como por exemplo, os Papas políticos e guerreiros Júlio II, Leão X e seus imediatos sucessores que vestiam armadura e iam combater em campo de batalha. Como Felipe II tinha possessões na Itália, não raras vezes, seus exércitos se chocavam com os exércitos pontifícios. Em uma das vitórias espanholas, o Papa mandou perguntar ao Rei, qual seria o seu “butin”. O Rei deu uma resposta que consiste numa mescla de Rei Católico com “O Quixote Renascentista”: Que Vossa Santidade me considere o mais católico de todos os Reis da Cristandade!”“.
Tinha que lidar com os Protestantes, que não existiam na Espanha, nem na Itália, nem na Áustria de seus primos Habsburgo, mas que proliferavam na França (os huguenotes), sua vizinha fronteiriça, e em suas terras de Flandres, pegadas aos superprotestantes Estados Holandeses e da Alemanha do Norte. Apesar de todos os seus problemas políticos, religiosos, militares e de seus casamentos sucessivos e nada felizes, apesar de seu desgosto com a morte do filho D. Carlos, apesar de tudo isso, o reinado de Felipe II era apreciadíssimo por seus súditos e é, até hoje, reconhecido como um dos grandes reinados da História, por historiadores coerentes. Rei da Espanha e de Portugal, Rei de Nápoles e da Sicília, Duque de Milão, Senhor de Flandres, Soberano das colônias Americanas do Norte do Centro e do Sul, de possessões africanas, asiáticas e da Oceania (as Filipinas), espalhou a cultura, a língua, os costumes espanhóis, por toda a parte, e a Religião Católica tornaram-se professadas em todos os continentes do mundo, pois ele incentivava e financiava as ordens religiosas (principalmente jesuítas e franciscanos) e a formação de Dioceses Católicas em todos os rincões do mundo. No Brasil, devido ao seu decreto de suspensão do comércio triangular do açúcar praticado pelos holandeses, foi o causador das invasões holandesas (da Companhia das Índias Ocidentais) que queriam recuperar seus portos, do comércio triangular do açúcar, aqui e na África A Bahia e depois Pernambuco quase todo nordeste brasileiro foram os alvos dos holandeses, que, sem dúvida foi uma derrota espanhola, apesar da final expulsão dos holandeses em 1650 (já no reinado de seu neto Felipe IV). Seu reinado de vitórias e derrotas teve um aspecto positivo (segundo o ponto de vista espiritual) e negativo (segundo o ponto de vista materialista-capitalista). Esse duplo aspecto pode ser assim apresentado: para espalhar a Fé Católica por todo o Orbe, ele arruinou a “Espanha”. Seu espírito é visto, até hoje, concretizado em uma das maiores obras arquitetônicas, já construídas: O Palácio-Convento-Fortaleza do “Escurial”. Quem o observar de fora e mesmo de dentro, se deparará com uma beleza austera de rara felicidade. Sóbrio, forte, magnífico, dominador! Entretanto a igreja do Escurial embora séria, é leve, quase barroca de grandeza e beleza verdadeiramente celestiais! Nele vemos a alma de Felipe II, do Rei Católico, que agora, certamente já está contemplando a Sagrada Face de Deus, em companhia da Santíssima Virgem, dos Anjos e Santos e, com toda a certeza do mártir Padre Andréa Santoro, Pároco de Trebizonda.

FIM

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